quinta-feira, 26 de julho de 2007

CAPÍTULO 2 - NO AEROPORTO

Armando não pôde disfarçar a cara de impressionado quando já estava de saída do escritório e deparou-se com Susan. Ela não era do gênero de fazer surpresas, muito menos nos finais de semana. Quando tinha sorte, encontrava-a em sua casa, num almoço de domingo.

— Minha personal trainer faltou.

Estava explicado!

— Ela teve que viajar, estou desamparada! – lamentou manhosa – Mas ela vai ver, se engordar uma grama sequer, ela vai ver... A única coisa que ela faz engordar é o seu cheque no final do mês, mas se eu engordar neste meio tempo, seu cheque vai entrar em dieta. E dieta rigorosíssima! Ela vai ver só!!!

Armando deu risada. Tinha que achar graça. Toda vez que Susan se zangava com alguém, sempre prometia que este alguém “ia ver”, mas o fato é que no final das contas ninguém via nada. Ela amansava rapidinho. Não tinha firmeza suficiente para brigar por suas coisas, fossem elas puro capricho ou direito seu. Tinha uma forte dificuldade em dizer não, em contrariar. Do mesmo modo, não se conformava em ser contrariada, tornando-se desse modo uma pessoa perdida em situações as quais achava muito difíceis de lidar.

— Como adivinhou que estava aqui? – ele perguntou enquanto trancava por fora a porta principal.

— Ué! Passei na sua casa e sua mãe me falou. – disse soando como uma coisa muito óbvia.

E era uma coisa muito óbvia. Fazer deduções lógicas também não era um ponto forte de Susan e Armando sabia disso. É que às vezes, só às vezes, parecia que queria se enganar.

Sorrindo, enlaçou-a pelos ombros e a conduziu pelos degraus da estreita escadaria de lajotas branco e preto.

— E então? Temos um final de semana inteirinho juntos. O que vamos fazer? – ela perguntava enquanto fazia um barulho terrível na escada com o sapato preto de salto agulha.

Armando abriu um sorriso satisfeito. Havia tempos que precisava de um final de semana todinho com ela ao seu lado. Eram ocasiões tão raríssimas.

E ela estava linda. Toda arrumada, com sua blusa de seda branca com mangas longas de renda bufantes, saia justa de veludo preta, meia fina cor de pele, sapatos combinando com a saia, o cabelo loiro ondulado envolto num belo coque, os olhos azuis delineados com um preto que lhe davam ainda mais destaque… Era bem claro que estava mesmo disposta a curtir um belo final de semana. Não que fosse novidade estar bem arrumada, mas havia ocasiões, como aquela, em que caprichava ainda mais, se é que isso era possível.

— Querida, podemos fazer muitas coisas... – divagou.

— É mesmo? – agarrou seu braço, animada. – Aonde vai me levar?

— Bem... – pigarreou. – Antes terei que dar uma passadinha no aeroporto. Você vem comigo?

— Aeroporto? Ah, não, meu amor. Não me diga que vai receber clientes de fora logo hoje? O que nós conversamos sobre estas suas horas extras, hein? Vai acabar sofrendo com estresse de novo. Depois não diga que não avisei.

— Não é nada disso, querida. Vou ter que buscar o Edu no aeroporto.

— Edu? O Edu, aquele… o marido da sua irmã?

— Futuro ex-marido. – corrigiu.

— E o que foi que eu disse?

— Você disse marido.

— Se ele é futuro ex-marido, então significa que ele é o quê? Marido, né? Duh! Depois eu que sou burra!

— Quem disse que você é burra?

— Você.

— Eeeuuu? – fincou o polegar no meio do peito. – Quando eu disse isso?

— Nunca. Não disse, mas pensa. Eu sei que pensa.

— Ai, querida… - riu. – Você mal pode com seus pensamentos e agora quer controlar o dos outros?

— Não disse? Acabou de me chamar de burra novamente.

Ele teve que rir, se rendendo.

— Mas o que é que o Edu tem a ver com o nosso final de semana? Por que tem que ir até o aeroporto atrás dele?

— Porque o coitado está plantado lá há mais de séculos e não sabe o nosso novo endereço.

— E a Clara, onde está numa hora dessas?

— Salão de beleza.

Ela soltou uma risada indignada. Como se pudesse ser muito crítica à vaidade da outra.

— Você sabe, ela tem apresentação hoje. – tentou argumentar.

— Mas nós não temos nada com isso. O marido é dela! Ela é que tinha que ir buscá-lo.

Já no meio-fio da rua, ele parou próximo ao seu carro com as mãos na cintura e respirou fundo.

— Pois é. Mas ela me pediu este favor e eu não tive como negar. Mais por pena do cara do que por consideração àquela destrambelhada. Você veio com seu carro?

— Não, vim de táxi.

— E então? Vem comigo?

— E eu tenho escolha? – perguntou entrando direto no veículo. Fazia isso sempre que estava emburrada, pois quando estava de bom humor adorava fazê-lo abrir a porta para que entrasse.

Durante o trajeto procurou manter-se calada para deixar bem evidente sua zanga. Como fazer isso era muito difícil, driblou a ansiedade atacando uma latinha de batata frita que encontrara pela metade ali mesmo dentro do carro e permaneceu olhando o tempo todo pra frente, com um olhar de indiferença total.

Algumas vezes Armando desviava a atenção do trânsito para observá-la rapidamente e rir. Balançando a cabeça, irônico, concluiu que sua garota nunca ia tomar jeito mesmo. O negócio era agüentar e levar na brincadeira.

Quando já se aproximavam da entrada do aeroporto e as batatas chegaram ao fim, ela esqueceu da birra e questionou:

— Amor, como vamos saber quem é o Edu?

Armando franziu o cenho, sem compreender direito o que ela queria dizer.

— Já faz algum tempo que não o vemos. Será que vamos reconhecê-lo?

Ele teve que reconhecer que ela fizera, de certa forma, uma pergunta cabível. Em termos…

— Mas dois anos não é tanto tempo assim, é? – fez uma pausa para refletir. – A Clarinha, por exemplo, não mudou nada.

Susan fez uma expressão hilária.

— Espere passar dois anos e daí vamos nos comparar.

— Como assim?

— Dois anos para uma mulher não é nada. Já pro homem…

— O que quer dizer com isso? – indignou-se.

— Ora, amor, enquanto a gente se mata de malhar e usar todos os tipos de cosméticos, vocês estão bebendo e dormindo cada vez mais tarde. É óbvio que estamos na vantagem. Sejamos realistas, daqui a dois anos você vai estar calvo, barrigudo e eu, uma diva! – espalmou a mão no peito, fechando os olhos e elevando o queixo de modo dramático e arrogante.

— Eu não vou estar calvo e barrigudo! – horrorizou-se ofendido. – Corro todas as manhãs e olha… - repuxou algumas mechas de seus cachos castanhos. – Tenho cabelo de sobra.

Susan riu. Era verdade.

— Mas aposto que Edu está calvo e barrigudo. – arriscou. – Calvo pode até não estar, mas barrigudo… aposto!

— Edu, barrigudo? – pensou. – Se sua tese for mesmo verdadeira, Edu estará realmente irreconhecível. – riu com os olhos semi-arregalados.

Susan fez que sim.

— Será que vamos reconhecê-lo?

Armando começou a ficar realmente preocupado.

Mas não foi muito difícil reconhecer Edu. Era o único que andava de um lado pro outro afoito e furioso. Ao avistá-los, parecia que ia dar um troço. Correu de encontro aos dois e não parava de gesticular com a maleta na mão e com o paletó ainda apoiado no antebraço.

— Puxa vida, finalmente! Achei que ia criar raízes neste maldito lugar! A Clara me deixou na mão. Vocês não têm idéia do caos aéreo que se encontra o Brasil, um horror! Eu pura e simplesmente quase morri, foram horas de exaustão até sair meu vôo, aí chego aqui e são mais horas exaustivas por irresponsabilidade daquela moleca! Como pode ser tão fútil de me largar aqui por causa do salão de beleza? Essa mulher sempre beirou o absurdo mesmo! Como pode? Vocês conseguem ter noção do que estou passando por causa dela? Por que demoraram tanto?

— Boa tarde pra você também, Edu. – cumprimentou Susan resignada, procurando ajudá-lo com a maleta.

— Não!

Bastou que ela encostasse o dedo para que ele gritasse e agarrasse a maleta pra si. Susan levou um tremendo susto, ainda mais porque ele ficou lhe olhando fixo, com os olhos esbugalhados. Parecia um psicopata.

— São os papéis do meu divórcio. – esclareceu, mais calmo.

— Desculpe. – Susan desculpou-se exibindo a palma das mãos, procurando se recuperar do susto. – Não sabia que isso era tão importante assim.

— Importantíssimo. Agora, se querem mesmo ajudar, me ajudem com esta mala pesada. Onde você deixou o carro, Armando?

Sem dizer uma palavra, Armando apenas apontou a direção que devia seguir e apanhou sua mala que estava pesada mesmo!

A esta altura Edu já estava há passos bem avançados deles. O casal se entreolhou e Susan se rendeu:

— Certo. Esta é uma raríssima exceção. Não mudou em nada, nem na maluquice.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

CAPÍTULO 1 - TELEFONEMAS

CAPÍTULO 1 – TELEFONEMAS

— Não é possível! Nada!

Eduardo fechou o telefone móvel preto provocando um ruído tão forte que nem o eco dos variados sons do aeroporto abafou. Nervoso, passou as mãos no cabelo castanho encaracolado, suando frio e andando de um lado pro outro. Já não estava mais com o paletó, o mesmo mantinha pendurado no antebraço esquerdo, juntamente com a maleta preta com documentos importantes. O colarinho da camisa branca já estava aberto.

Era uma espécie de claustrofobia interior. Não agüentava mais. Encontrava-se ali há horas. Precisava que alguém viesse buscá-lo. Mas ninguém atendia o maldito celular!

Resolveu tentar novamente. Nada. E não estava desligado, pois chamava.

Irritado, dirigiu-se a uma das cafeterias do aeroporto e pediu um café bem forte, quem sabe ajudaria a aplacar um pouco a tensão.

Engano. O café estava exatamente do jeito que gostava, porém, não podia sentir o gosto e muito menos engolir. Era como se estivesse com a garganta fechada.

Agradeceu a atendente, pagou o café não tomado e retornou onde se encontrava antes. Só que decidiu sentar um pouco e dar alguns minutos para arriscar mais uma tentativa. Quem sabe a última.

O salão de beleza de Nora aquela tarde parecia estar mais cheio do que o habitual. Era como se todas as mulheres da cidade resolvessem arrumar unhas e cabelo aquele dia! Nora estava ficando quase louca e finalmente acabou caindo em si que não tinha mais como ser econômica ao extremo, seria obrigada a contratar mais ajudantes, porque as três manicures e as duas cabeleireiras já não eram suficientes.

O ambiente era alegre, ela nunca deixava de ligar uma música descontraída, caso contrário, não conseguia trabalhar. E este seu jeito de ser é que lançava tudo ao seu favor, mesmo com tantos compromissos, o estresse ali passava longe. Sua longevidade acabava contagiando as funcionárias e clientes, criando um clima agradável. Mesmo naquela ocasião, em que havia um monte de mulheres que não paravam de falar um segundo.

— Clarinha, você não podia ter feito escolha melhor. Este tom loiro claríssimo acinzentado orna perfeitamente com sua pele clara e ameniza as sardas.

— E eu não sei? Tenho bom gosto, querida! – afirmou com divertimento.

Clara era a cliente que Nora fazia questão de dar exclusividade. Nenhuma outra cabeleireira tocava em seu cabelo. Eram conhecidas de anos e amigas confidentes.

Falando em amigas confidentes, Julia, esta sim, a melhor amiga de Clara, que a acompanhava em todo lugar que ia, já estava ficando cansada de tanto tomar cafezinho e esperar sentada. Tinha feito unhas, cabelos, limpeza de pele e Clara não saía daquela cadeira. Não entendia por que Nora demorava tanto naquela escova se o cabelo da amiga era um chanel.

Talvez porque jogassem conversa fora mais do que qualquer outra coisa.

Quando Julia começava a bocejar alto e intensamente, Clara se dava conta e se apressava um pouco. Um pouco...

— Nora, passa uma pomada de silicone nos fios arrepiados pra finalizar que eu tenho que ir.

— Certo. – concordou, atendendo o seu pedido.

— Julia, faz um favor, pega ali a minha bolsa. – apontou para um dos sofás que estava perto de Julia. – Aí dentro tem uma carteira de couro marrom, passa pra mim. Vou pagar a conta a Nora.

Aliviada com a notícia, Julia apressou-se em fazer o que a amiga pediu. Remexeu um pouco na bolsa e teve dificuldade de encontrar a carteira. Não sabia como Clara conseguia colocar tanta coisa dentro de um espaço tão pequeno.

— Achou?

Mais uma pequena procurada e finalmente Julia encontrara a bendita. Encolhendo a testa, comentou:

— Clara, teu celular tá piscando e vibrando aqui dentro.

— Ah é, eu deixei no silencioso. A hora do salão é sagrada, não quero perturbação alguma.- declarou divertida.

Nora riu.

— Então não vai atender? – indagou exibindo em sua mão o aparelho que não parava de piscar a luz e vibrar.

— Agora vou, né? Fazer o quê? – arregalou os olhos estendendo a mão para pegá-lo.

Meio sem jeito por ter provocado ansiedade na amiga, Julia o entregou.

— É o Edu. – revelou depois de conferir a chamada, atendendo em seguida. – Alô. Oi.

Eduardo não acreditou que estava sendo atendido. Ficou de pé num pulo e voltou a andar de um lado para o outro, agora mais agoniado do que nunca. Aproveitou para despejar toda sua fúria. Estava aflito, irritado, indignado, histérico.

— Puta que pariu, finalmente! – gritou, sem dar a mínima por estar chamando a atenção das pessoas mais próximas. – Qualé Clara? Estou nesta droga de aeroporto há mais de horas. Primeiro meu vôo atrasa no Brasil por décadas, exausto da viagem agora chego aqui e com quem me deparo? Ninguém!

— É, eu vi na CNN que os serviços das companhias aéreas no Brasil estão deixando a desejar…

A serenidade dela do outro lado da linha o deixava ainda mais fora de si.

— Garota, você não tem noção? – desta vez até os menos próximos não puderam deixar de notar o escândalo. – Puta merda! Estou te falando que venho de uma viagem exaustiva, décadas num aeroporto, séculos noutro. O que você ta pensando? Qualé! Você esqueceu que eu vinha hoje? Era para estar aqui me esperando.

— Não, na verdade não me esqueci. É que precisei vir ao salão de beleza…

—… salão de beleza?!! – rosnou. – Você só pode estar brincando! Não, fala a verdade, você ta tirando uma com a minha cara, né?

— Tô não. Eu realmente estou no salão de beleza, tenho uma… - ela tentava informar de seu compromisso, mas não teve chance.

—… então por que não atendeu logo essa porra de celular? Caralho, Clara!

— Porque deixo no silencioso quando estou no salão de beleza.

— Que maravilha! Você sabia que eu estava para chegar, sua obrigação era a de vir aqui me buscar no aeroporto.

— Você não vai ficar hospedado na casa de meus pais? Por que não tomou um táxi até lá?

— Pura e simplesmente porque não sei o novo endereço deles! – esbravejou preste a dar um colapso.

— Ah, é… - divagou, comprimindo os lábios para não dar risada. Ele ainda continuava com essa mania de “pura e simplesmente”.

— E então?

— Então o quê?

— Vai vir me buscar aqui ou não, ora bolas?!

— Eu não vou poder.

— Como não? Eu me arranquei do meu país até aqui pura e simplesmente por sua causa e agora você vem me dizer que não vai poder fazer o mínimo de vir me buscar no aeroporto? Quanta delicadeza, não?

— Eu estou ocupada, mas pode ficar tranqüilo, acho que posso mandar o Armando até aí.

— Acha? Isso é um caso de vida ou morte! – agravou ainda mais o volume, se é que era possível. – Eu estou aqui, Clara. Estou aqui plantado neste maldito aeroporto com toda a papelada do divórcio prontinha pra você assinar.

— Tá bom. Vou mandar o Armando agora mesmo te buscar aí.

— A gente se vê na casa dos seus pais, então?

— Não, eu nem vou passar na casa dos meus pais. Terei apresentação hoje. Vou direto pra casa do Roger. Faz o seguinte, vai com o Armando pra casa dos meus pais, toma um banho, come alguma coisa, se acomoda e lá pelas dezenove horas, um pouco antes de eu entrar na pista, você me procura no meu camarim e leva os papéis pra eu assinar. Tá bom assim?

— Tenho escolha? – indagou exaurido.

— Não. – forçou um sorriso. – Vou me apresentar onde sempre me apresentei. Isto você sabe onde é, né?

— Lógico. Às dezenove horas então.

— Fechado. – retirou o telefone do ouvido e colocou-o em frente aos olhos, subindo de leve a sobrancelha direita. – Desligou.

Nora e Julia ficaram olhando pra ela, como que na espera de alguma explicação.

— É o Edu. Chegou do Brasil faz horas e tá preste a botar um ovo no aeroporto. – riu, discando o número do irmão. – Vou ver se o Armando pode ir buscá-lo. – o telefone chamou umas duas vezes. – Alô, mano? Onde você tá?

— Estou no escritório. – informou dando uma última ajeitada na mesa cheia de papéis. – Tive que resolver algumas coisas que não dava para deixar para segunda feira. Mas já estou de saída, não vejo a hora de chegar em casa.

— Está de saída mesmo? Nesta hora, neste instante?

— Sim, por quê?

— Ótimo. Maninho é um caso de vida ou morte. Eu estou ocupadíssima aqui no salão de beleza, você sabe, com a apresentação de hoje à noite, tenho que passar na casa do Roger ainda e…

—… diga logo o que quer. – ordenou resignado. Conhecia a irmã como nunca, afinal, ele era seu quebra-galho oficial mesmo.

— Maninho do coração, é que o Edu tá no aeroporto preste a botar um ovo e…

— O quê?!! – horrorizou-se. – Você ainda não foi buscar o Edu?

— Maninho, eu não pude…

—… francamente Clara! Ele veio até aqui exclusivamente por sua causa e você larga o homem no aeroporto sem mais nem menos? Ele não conhece nosso novo endereço.

— Eu sei, mas

—… o que houve? Você esqueceu? Ou foi por maldade mesmo?

— Maldade? – disse indignada. – Maninho, posso ter todos os defeitos do planeta, mas maldade não!

— É, eu sei. Desculpe. Mas é que é muita coisa. Você sabia que ele vinha hoje, como não foi buscá-lo?

— Maninho, só há uma coisa em minha cabeça hoje.

— Sei, sei, a apresentação.

— Então! Não posso me dar ao luxo de perder tempo ainda e buscar o Edu no aeroporto. Faz esse favorzinho pra mim, pelo amor de Deus!

— Faço, sim. Faço.

— Ai… - suspirou aliviada, pondo a mão no peito. – Graças a Deus! Você é o melhor maninho do mundo!

— Sem alugação, Clara, vai.

— Mas é sério! Você vai à apresentação, não vai?

— Se o Edu não me matar antes. – ela deu risada do outro lado da linha. – Sério. O homem deve estar soltando fogo pelas ventas.

— Pior que acho que está mesmo. – disse rindo.

— Você ri porque não é você que vai buscá-lo, né? Mas a gente se vê mais tarde então. Acho. – ironizou fazendo-a rir de novo.

— Certo maninho, te amo.

— Também te amo. Tchau.

— Tchauzinho. – desligou. – Bem, meninas… - respirou fundo levantando da cadeira. – Preciso ir porque ainda há muito que fazer. Devo me preparar para a apresentação.

— E o marido como ficou? – Nora quis saber. – Resolveu o problema ou o homem ainda vai botar muitos ovos?

— Resolvi o problema sim. E se tudo correr normalmente, ele deixará de ser marido daqui a algumas horinhas. Oficial.

— Você sabia que ele vinha e o deixou plantado lá no aeroporto, Clara? – questionou Julia.

— Ai meu Deus! – olhou pra cima, cansada. – Será possível que todo mundo agora vai me censurar? Eu sabia que ele vinha sim, mas também não fui eu que estipulei a data. Tenho culpa se a data que ele estipulou não bateu com a minha? Tenho meus próprios compromissos, ora! E compromissos inadiáveis.

— Não estou te censurando, credo! Só achei estranho. E também indelicado de sua parte largar o homem lá.

— Eu não “larguei” o homem lá. Estou mandando meu irmão, não estou? Acho que isso basta. Ou será que é preciso estender um tapete vermelho pro cara passar?

Nora meneou a cabeça. Percebendo isso, Clara perguntou, desgostosa:

— O que foi, Nora? Até você agora vai me recriminar?

— Quem sou eu, Clara? Só não acho que deva ser legal fazer uma longa viagem exaustiva e ser largado no aeroporto por horas a fio. Só isso.

— Tá certo, eu errei. Eu errei! Era isso que vocês queriam ouvir? Então pronto, ouviram.

— Liga não, Clarinha. É que a minha geração agia de modo muito diferente da geração de vocês. Quando estava para me divorciar, eu fiz de tudo para agradar e manter o meu relacionamento. Mas não adiantou nada. – respirou fundo, meio triste. – É que a minha geração foi uma geração de mulheres imbecis, que casavam de branco e acreditavam que era pra toda a vida.

— Então também sou uma imbecil. – disse Julia, levando uma das mechas do cabelo loiro para trás da orelha. – Quero me casar de branco e é lógico que quero que seja para toda a vida.

— Não há nada de imbecil nisso. – afirmou Clara. – Ainda casamos de branco, Nora, sabia? E francamente… ninguém investe milhões numa festa e num vestido deslumbrante pensando na papelada do divórcio, né? Isso eu te garanto.

— É mesmo, né? – Nora, pensativa, caiu em si.

Clara reafirmou fazendo que sim com a cabeça. Mas não demonstrava o abalamento ao tocar no assunto como Nora. E talvez esta fosse a verdadeira diferença. Na hora do casamento, todas as mulheres eram iguais. Só que na hora do divórcio, a geração de Clara encarava tudo com maior naturalidade.